O que são juros abusivos em contratos bancários?

Contratos bancários são contratos que viabilizam a atuação dos bancos como intermediadores de recursos e prestadores de serviços bancários, como mútuos (empréstimos), financiamentos, abertura de contas e investimentos. A sua função econômica é fundamental e a participação de um banco é a essência, isto quer dizer que em todo contrato bancário, há um banco na relação, mas nem todo contrato com um banco é um contrato bancário.

Uma das operações mais comuns realizadas pelos bancos é o mútuo bancário. O mútuo é o empréstimo de coisa fungível (art. 586 do Código Civil), o que inclui o empréstimo de dinheiro. O mútuo bancário é uma espécie particular de mútuo. Além de simples empréstimo, o mútuo bancário é o empréstimo de quantia por uma instituição financeira com o objetivo de que essa quantia seja devolvida com acréscimos remuneratórios em determinado prazo. O principal desses acréscimos remuneratórios é o juro remuneratório ou compensatório, objeto dessa explicação.

Na maior parte de seus contratos, os bancos cobram dois tipos de juros: o juro moratório e o juro remuneratório. O juro remuneratório é cobrado durante o chamado período de normalidade do contrato, momento em que o devedor está adimplente, pagando suas obrigações. O juro moratório, por sua vez, é devido somente no período de anormalidade contratual, quando o devedor está inadimplente.

O juro moratório não é acréscimo remuneratório. É simples consequência do atraso no pagamento, a mora. Em regra, o juro moratório não pode ultrapassar 1% ao mês ou 12% ao ano, segundo o art. 5º do Decreto n.º 22.626/1933. Contudo, há algumas exceções em que o juro moratório pode ultrapassar o limite legal, como os mútuos contratados entre pessoas jurídicas (art. 3º da Lei n.º 14.905/2024) ou em dívidas condominiais (art. 1.336 do Código Civil). Operações bancárias seguem essas regras. Em mútuos bancários com pessoas físicas, os juros moratórios não podem ser maiores do que 1% ao mês. Para pessoas jurídicas, contudo, não há limite legal.

Se para o juro moratório a regra é a limitação, para o juro remuneratório em contratos bancários ocorre o contrário. Isso porque as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios prevista na Lei da Usura (Decreto n.º 22.626/1933). Não há limite fixo para o juro remuneratório, de modo que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

O único elemento referencial para verificação de abusividade de juros remuneratórios é a Taxa Média de Mercado divulgada mensalmente pelo Banco Central[1]. A taxa média de mercado é calculada pelo Bacen por meio da compilação de dados de operações bancárias de determinadas naturezas. Por meio desses dados, o Bacen verifica quais as taxas médias de juros remuneratórios cobrados pelos bancos em determinadas operações. Ou seja, o Bacen não institui a taxa média, ele só a calcula com base nas taxas cobradas pelo próprio mercado.

Por exemplo, em operações de crédito com recursos livres feitas por pessoas físicas para aquisição de veículos, a taxa média no mês janeiro de 2020 era 19,73% a.a., em janeiro de 2021 era 20,21% a.a. e em janeiro de 2022 era 26,87% a.a., em janeiro de 2023 era 29,05% a.a., em janeiro de 2024 era 26,07% a.a., em janeiro de 2025 era 29,52% a.a. Cada tipo de operação tem sua taxa média de mercado é publicada mensalmente.

Mas a taxa média de mercado não é um limite[2]. A taxa média é um referencial, aplicada excepcionalmente quando não houver taxa pactuada ou quando esta for abusiva.

A definição objetiva de abusividade da taxa de juros remuneratórios não é unânime, sendo avaliada caso a caso pelo Poder Judiciário. A metodologia é caótica, com um elevado grau de dispersão nos julgados de segundo grau. Só no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), há enorme variação da definição de abusividade entre as Câmaras. Isso sem se falar nos tribunais de outros estados e nos tribunais federais que julgam os processos da Caixa Econômica.

Nos casos em que o TJPR julgou revisional de contrato bancário com pactuação de juros remuneratórios em taxa um pouco acima da taxa média, não houve reconhecimento de abusividade[3]. Em contratos com juros remuneratórios que ultrapassam a taxa média em mais de 10%, o TJPR nunca reconheceu a abusividade.

Quando se passa a analisar contratos com juros 50% maiores do que a taxa média (isto é, uma vez e meia a taxa média), os entendimentos das Câmaras do TJPR começam a divergir[4]. Há precedentes tanto no sentido de que a taxa de juros remuneratórios maior do que uma vez e meia a taxa média de mercado seria abusiva, quanto de que não seria abusiva.

O entendimento que predomina na maior parte dos julgados é o de que a abusividade se configura se a taxa de juros remuneratórios maior que o dobro da taxa média de mercado da operação[5]. Apesar de esse entendimento ser majoritário, não há unanimidade. Alguns julgados chegam a estipular que a abusividade somente se configuraria se a taxa pactuada fosse superior ao triplo da taxa média (TJPR – 5ª C.Cível – 0004084-04.2017.8.16.0139 – Prudentópolis – J. 26.02.2019).

Não se posse esquecer o fato de que o referencial da taxa média de mercado não é o único elemento para se verificar a abusividade dos juros remuneratórios. A análise dos juros deve considerar elementos como custo da captação de recursos, local e tempo do contrato, análise do perfil de risco de crédito do tomador, existência e qualidade de garantia e o spread da operação.

Ou seja, não há elemento objetivo claro para a caracterização de abusividade da taxa de juros remuneratórios em contratos bancários. Apesar do entendimento majoritário do TJPR de que a taxa de juros contratada em patamar maior que o dobro da taxa média seja abusiva, ainda há muita dissonância sobre o tema.

Se a dissonância já é grande quando se analisa só um tribunal, é ainda maior quando se considera os tribunais estaduais e federais de todo o Brasil. E isso não deve mudar. A análise da abusividade do contrato bancário demanda obrigatoriamente o exame de vários fatores que vão além da própria taxa de juros, o que limita a discussão aos tribunais de segundo grau. Cabe aos advogados, em cada caso, a instrução de seus clientes e defesa de sua posição, seja advogando pela abusividade, seja arguindo a regularidade do contrato bancário.

[1] https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=getPagina

[2] REsp 1061530/RS de 10/03/2009,  AgRg no AgRg no AREsp 618.411/MS de 24/06/2015, AgInt no AREsp 1223409/SP de 25/05/2018, AgInt no AREsp 1493171/RS de 10/03/2021 .

[3] TJPR – 14ª C.Cível – AC – 1582621 J. 09.11.2016, TJPR – 15ª C.Cível – 0004909-04.2018.8.16.0109 – Mandaguari –  Rel.: J. 24.04.2019.

[4] Entendimentos pela abusividade: TJPR – 13ª C. Cível – AC 01622484-3 – J. 26.04.2017, TJPR – 16ª C.Cível – 0002031-52.2020.8.16.0072 – Colorado – J. 25.07.2022, TJPR – 16ª Câmara Cível – 0011030-20.2022.8.16.0170 – J. 21.10.2024, TJPR – 16ª Câmara Cível – 0003494-77.2023.8.16.0119 – Nova Esperança – Rel.: DESEMBARGADOR MARCO ANTONIO MASSANEIRO – J. 30.06.2025; Entendimentos pela não abusividade: TJPR – 19ª Câmara Cível – 0062853-50.2021.8.16.0014 – Londrina – J. 06.03.2023, TJPR – 16ª Câmara Cível – 0001211-82.2022.8.16.0130 – Paranavaí – J. 06.03.2023

[5] TJPR – 18ª C.Cível – 0000775-94.2017.8.16.0067 – Cerro Azul – J. 16.05.2018, TJPR – 9ª C.Cível – 0065835-08.2019.8.16.0014 – Londrina –  J. 20.09.2020, TJPR – 1ª C.Cível – 0000596-23.2021.8.16.0132 – Peabiru – J. 08.08.2022, TJPR – 14ª Câmara Cível – 0021060-59.2020.8.16.0017 – Maringá – J. 06.03.2023, TJPR – 6ª Câmara Cível – 0002836-63.2023.8.16.0148 – J. 21.10.2024, JPR – 6ª Câmara Cível – 0003049-27.2022.8.16.0044 – Apucarana – J. 30.06.2025, TJPR – 19ª Câmara Cível – 0047109-10.2024.8.16.0014 – J. 30.06.2025.

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